A tecnologia prometida por Zuckerberg traz questões que vão além das interações virtualizadas
Por Leandro Lacerda

Você está cansado da rotina e um pouco triste. Por estar longe de casa e dos amigos, percebe que precisa socializar e festejar para levantar o astral. Você planeja um evento com seus amigos. Em seguida, pergunta quais são as coordenadas para acessar o local da festa. E um de seus amigos é direto: “Vou mandar o link.” Então, você coloca seus óculos virtuais, vai para seu cômodo-estúdio, que serve de infraestrutura de conectividade, e “mergulha” na realidade virtual. Você prepara seu avatar, escolhendo as melhores roupas e acessórios e entra na sala da sua tribo. A festa dura quatro horas em um espaço amplo e decorado, com muita música, dança, jogos e efeitos especiais que custariam caro e seriam muito mais difíceis de se reproduzir no mundo real.
Com a chegada do metaverso, a necessidade de estar próximo de quem se ama, mesmo em tempos de isolamento, será suprida pela possibilidade de interagir “tête-à-tête” com pessoas e objetos em ambientes ricos de estímulos em primeira pessoa, emulando, com grande verossimilhança, lugares e eventos típicos da nossa vida cotidiana. Já não se tratará apenas de interações por meio de uma tela, mas sim de ter uma experiência de convívio em outra dimensão.
A partir da infraestrutura de internet ultrarrápida (5G), da otimização extremamente avançada dos hardwares e softwares gráficos, da implementação do aprendizado de máquina, da programação avançada e da inteligência artificial, a tecnologia que possibilitará o metaverso atingirá níveis de riqueza de detalhes e de imersão incríveis. Mas como isso afetará a nossa vida realmente? Nos predispomos, neste artigo, a tentar responder essa pergunta, abordando todos os efeitos desse novo paradigma para a sociedade ultraconectada.
Poder e potencial
Ainda é difícil definir o que é metaverso e mensurar todo o seu poder e potencial para o agora e para o futuro. No momento, porém, já podemos imaginar algumas coisas óbvias: imersões proporcionadas por óculos especiais para reuniões de escritório, “resenhas” com amigos, compras em réplicas de supermercados ou apenas acomodar-se em sua própria sala decorada e projetada para o seu “bel-prazer” para assistir a um filme na Netflix por meio de uma janela flutuante.
Filmes populares como Matrix, Tron, Jogador Número 1, e o livro Snow Crash, parecem estar cada vez mais próximos da nossa realidade, pois dialogam com a criação de um mundo virtual em 3D que se inspira na realidade física por meio de dispositivos digitais, sendo um espaço individual ou compartilhado, constituído basicamente pela soma da realidade virtual, realidade aumentada e internet, habitado por avatares de pessoas reais.
Especialistas e empresas afirmam que as aplicações dessas plataformas serão vastas, com réplicas ultrarrealistas de lugares no mundo real, permitindo um número infinito de usuários simultâneos. Muito provavelmente, será a maior revolução em plataformas de computação que o mundo já viu, bem maior até que a revolução móvel e a revolução web.
Como funciona o metaverso
Atualmente, as plataformas se baseiam em uma integração de recursos digitais relativamente básicos, como sensores de movimento (sendo os óculos o principal componente ou o único, no qual funciona um sistema operacional combinado a fones de ouvido) e um controle remoto da interface, dependendo ainda de uma internet rápida para o acesso à plataforma.
No entanto, o metaverso está apenas em seu início, e são projetados muitos aprimoramentos para o futuro, que ficarão mais evidentes a partir do uso e adesão em massa de usuários pelo mundo, não só para resolução de problemas nas interações entre as pessoas, mas também para atualizações de suporte físico e virtual de acordo com a evolução de dispositivos, gadgets e internet das coisas.
Mercado de trabalho
Um novo paradigma tecnológico implica em empregos novos e novas qualificações. Dada a disposição de tantos setores em entrar de cabeça nesse novo universo, há pelo menos dez potenciais empregos que surgirão com o início, desenvolvimento e aprimoramento do metaverso:
- Cientista de pesquisa do metaverso;
- Planejador do metaverso;
- Regulador de ecossistemas do metaverso;
- Gerente de segurança do metaverso;
- Construtor de hardware do metaverso;
- Narrador do metaverso;
- Construtor de mundos do metaverso;
- Especialista em bloqueio de anúncios do metaverso;
- Especialistas em segurança cibernética do metaverso;
- Desenvolvedor de avatares do metaverso;
Por isso, a atualização de profissionais de áreas próximas ou adjacentes a: realidade virtual, realidade aumentada, tecnologia da informação, programação, design gráfico, segurança cibernética, arquitetura digital, produção de conteúdo, ciência de dados etc. são importantíssimas e renderão ótimos empregos com excelentes remunerações aos candidatos qualificados.
Mercado imobiliário no metaverso
Grandes empresas, marcas e investidores estão comprando imóveis no metaverso, em vista do surgimento de uma possível “Manhattan digital”. Assim, a MetaMetric Solutions projeta que, em 2022, a venda de lotes pode chegar a US$ 1 bilhão. O salto de comercialização começou depois que o Facebook anunciou a mudança de nome para Meta Platforms, com o objetivo de focar no desenvolvimento do seu metaverso.
Até o momento, o mercado imobiliário no metaverso se concentra em quatro grandes empresas, conhecidas como o “Big Four” do metaverso:
- Sandbox;
- Decentraland;
- Cryptovoxels;
- Somnium.
A Sandbox domina o mercado — segundo a Republic Realm — , com 62% dos terrenos disponíveis nas quatro plataformas e três quartos de todas as vendas. A organização está desenvolvendo 100 ilhas, que contam com vilas e inclusão de bens personalizados, como barcos e jet-skis. Um lote da plataforma, de 96×96 metros, estava custando US$ 12.700 em dezembro de 2021.
As “construções civis” nesse mundo são fáceis de serem criadas e podem ser feitas por uma única pessoa, semelhante ao jogo Minecraft. Cabe lembrar, porém, que usuários que não quiserem ou não puderem realizar essas criações, podem apenas entrar e interagir em outras predeterminadas.
A saga do vanguardismo digital
De maneira geral, as marcas estão migrando para o metaverso por três motivos:
1. Marketing digital
Oferecer uma experiência distinta ao cliente faz as companhias se destacarem em seus respectivos mercados. Portanto, nenhuma empresa quer ficar fora do metaverso. É a eterna busca da inovação para atrair e cativar potenciais novos clientes de nicho e/ou de massa.
2. E-commerce
O mundo virtual servirá como mais um meio de divulgação e venda extremamente interativa e realista. Tal ambiente possibilitará visitas e testes de réplicas dos ativos físicos, sem muita burocracia. Comprar um imóvel ou automóvel, por exemplo, se tornará bem mais fácil.
3. NFTs (Tokens Não Fungíveis)
Os NFTs são um tipo especial de token criptográfico que representa algo único, um bem insubstituível. Bens virtuais exclusivos de companhias são desenvolvidos na rede blockchain, gerados por um certificado de autenticidade de propriedade a quem fez o investimento nesse tipo de ativo. A Nike, por exemplo, já iniciou seus planos de venda de calçados para avatares.
Em vista disso, o metaverso não servirá apenas para o lucro das empresas — as projeções a curto e médio prazo não são muito animadoras devido ao caráter ainda experimental — que se aventurarem nesse novo universo, mas mais importante ainda, será um lugar para desenvolver uma melhor visibilidade comercial e uma identidade autêntica de marca.
Comportamentos abusivos
A Horizon Worlds, de Mark Zuckerberg, foi liberada para testes a milhares de voluntários nos Estados Unidos e Canadá, e o primeiro caso de assédio sexual já aconteceu. Uma voluntária, que foi vítima da importunação, denunciou que foi “apalpada” por um estranho e que outras pessoas teriam incentivado o ato. O incidente ocorreu no Plaza, o principal ambiente público da plataforma.
O caso foi um grande alerta para o que as plataformas podem oferecer de ruim. Mas segundo especialistas, os comportamentos inadequados e desrespeitosos serão prevenidos e combatidos com eficácia, e ocorrências durante o começo do metaverso só ajudarão na contenção de ameaças e incidentes, servindo como “antídotos” de desenvolvedores.
Corpo e avatar
Uma pesquisa interna do Facebook revelou que 32% das adolescentes que sofrem de distorção da imagem corporal se sentem pior depois de usar o Instagram, devido ao maior engajamento e visibilidade de perfis que seguem os padrões de vida e de beleza que são valorizados por uma grande massa de usuários e são impulsionados pelo algoritmo da rede.
Para salientar esse panorama, um grupo de pesquisadores de Stanford descobriu o Efeito Proteus, tese que define que a forma como nossos corpos são representados no ciberespaço afeta também, invariavelmente, a forma como agimos em nossas vidas no mundo real.
É de se temer, portanto, que tal condição possa se agravar com a chegada do metaverso, já que interagir em um universo no qual se pode aparentar o que quiser, e não necessariamente se parecer com você, pode impactar não só na maneira como somos percebidos pelos outros, mas também como nos vemos, e assim haver uma rejeição silenciosa a tudo que não seguir esses padrões por parte das pessoas.
Uma saída a se buscar, então, seria estimular o desenvolvimento de uma meta-sociedade projetada para valorizar o diferente, para que não importe qual seja a sua raça, gênero ou quaisquer outras características físicas ou pessoais.
Vida dentro da tela
E com tantas potencialidades, será que o metaverso provocará mais vício digital nos usuários? Espera-se que viver no metaverso, durante muitas horas, de forma moderada ou intensa não seja comum ou tendência imparável, como se é visto hoje em dia com o uso dos smartphones.
Existem questões ergonômicas (relação do humano com objetos) e de conforto envolvidas no uso dos sensores de movimento e na própria barreira biológica em relação a nossa visão. Ficar tanto tempo imerso em um mundo virtual, dentro de uma tela brilhante, não parece ser muito agradável. Como qualquer outra atividade ou hábito, isso pode se tornar enfadonho ao longo do tempo.
O novo mundo já começou
Estamos diante de uma rede de ambientes virtuais que simularão uma “segunda vida” nossa, onde poderemos exercer várias tarefas de nossa vida cotidiana. Diante de prós e contras, o metaverso já está aqui, gostando ou não desse novo mundo, e os próximos capítulos mudarão radicalmente a maneira como nos socializamos em todos os sentidos.
A maior revolução digital já vista pela humanidade está consolidando suas bases e transformará de vez tudo que a gente já sabia e fazia por meio da internet, e temos que começar a aprender a lidar com esse novo paradigma, já ciente de seus desafios e em que ela poderá nos ajudar, em todos os segmentos da vida.
Você leu um artigo feito pela Casa Hacker, iniciativa sem fins lucrativos dedicada a combater a desigualdade social com a educação tecnológica.
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