Redes sociais e sua participação na prática e no combate ao assédio

Por Marco Mourão

Fonte: Nappy

O assédio sexual é uma realidade presente na sociedade brasileira e, infelizmente, ainda é um tema tabu em muitos círculos. Apesar dos avanços conquistados pelo movimento feminista ao longo das últimas décadas, a objetificação da mulher e a educação machista continuam a impulsionar este fenômeno. Neste contexto, é fundamental destacar a importância da educação e da conscientização para a mudança de mentalidades e comportamentos, bem como a ajuda ao combate, trazido pelo desenvolvimento da tecnologia e surgimento de redes sociais

As estatísticas

8,9% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de abuso sexual; 97% das mulheres dizem já ter sido vítimas de assédio em meios de transporte; um caso de estupro de vulnerável acontece por hora em São Paulo.

Entre as mulheres, vítimas de assédio, importunação, ou abuso sexual, cada lágrima derramada, é sinal de uma dor profunda, que vem de lembranças tristes e difíceis de aceitar e superar ao longo da vida.

Os medos e traumas que surgem como resultado dessas experiências são frequentemente sentidos no corpo e na memória daqueles que não conseguem lidar com suas histórias de vida.

Culpar uma pessoa que foi vítima de abuso ou assédio só aumenta o sofrimento e não ajuda a diminuir os crimes contra a dignidade. As políticas de enfrentamento e acolhimento ainda precisam melhorar muito para atender às necessidades daquelas que buscam ajuda, gritando silenciosamente por socorro.

As raízes

Sobre a cultura do assédio e desigualdade de gênero, para compreender melhor suas origens e seu desenvolvimento na sociedade brasileira, levaremos em conta diversos fatores, responsáveis por facilitar a inserção dessa prática, alguns começaram a se enraizar já na base da sociedade, a educação, que apesar de ainda hoje apresentar traços machistas, antigamente era muito mais evidente, objetificando o sexo feminino como sexo extremamente frágil e submisso, contribuindo para impulsionar esse fenômeno no brasil.

A história do Brasil é marcada por uma profunda desigualdade de gênero. Desde a construção do país como nação independente, a figura feminina foi relegada a um papel secundário, restrita ao âmbito doméstico, a mulher sempre foi criada para ser submissa ao homem. A conquista de direitos foi um processo lento e árduo, e mesmo hoje em dia ainda há muito a ser feito para superar as heranças históricas do sistema social patriarcalista. Essa cultura machista contribuiu e ainda contribui para a naturalização do assédio sexual, que muitas vezes é visto como algo normal ou até mesmo justificável.

Por muito tempo, a mulher foi moldada por uma sociedade machista, durante grande parte da história, a educação feminina foi restrita à preparação para o casamento e para o papel de dona de casa. No Brasil, até o final do séc. XIX, as mulheres eram vítimas de imposições, que limitavam suas escolhas e oportunidades, reforçando a sua submissão ao homem e a marginalização de suas vozes e poder de decisão. Durante o período colonial, as mulheres não frequentavam escolas, com exceção de algumas mulheres que, por serem da elite, era permitido receberem certo grau de alfabetização, porém ainda com limitações, aprendendo a ler e escrever de casa ou em conventos, não podendo frequentar escolas.

Já no Império, houve um aumento no número de escolas femininas, mas o currículo ainda era voltado para atividades consideradas “femininas”, como costura, bordado e música. Além das limitações sociais, as mulheres sofreram por muitos anos com limitações jurídicas, precisando lutar tanto por seu reconhecimento na sociedade e mercado de trabalho, quanto por seus direitos, que eram poucos ou inexistentes.

No Brasil, até o ano de 1968, a mulher era juridicamente discriminada, sendo considerada ‘sexus infermitatem’, considerado um termo jurídico anterior a Cristo, termo este que refletia uma discriminação de gênero entre homens e mulheres, colocando a figura da mulher como incapaz juridicamente e socialmente, sendo proibida de trabalhar sem a autorização do marido, esta situação mudou apenas a partir de 1988, final do século XIX e início do século XX com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, em que houve uma maior valorização da educação feminina.

Em um cenário onde a mulher se encontrava desamparada juridicamente e acorrentada pelos costumes sociais, sem nem ter o direito de trabalhar sem autorização do marido, a sociedade acabou se desenvolvendo, carregando consigo preconceito e desleixo contra a figura feminina, por isso todo tipo de lei a favor da mulher e que combata as antigas amarras sociais em que ela ainda se encontra presa, representa uma vitória para todas as mulheres do Brasil, aproximando cada vez mais de um ideal igualitário.

A Tecnologia Mudando o Cenário

A tecnologia e as redes sociais estão cada vez mais presentes em nossas vidas, permitindo que situações conflituosas sejam trazidas a público de forma instantânea e rápida. O acontecimento envolvendo a deputada Julia Zanatta é reflexo disso. O assédio sexual pode ocorrer tanto offline quanto online e pode se manifestar de diversas formas, como mensagens indesejadas, ameaças, compartilhamento não autorizado de imagens íntimas e outras formas de violência virtual.

É importante destacar a importância de discutir o assédio nesse ambiente, pois sua ocorrência representa uma grave violação dos direitos e da dignidade das pessoas. A respeito de exposição de fotos pessoais sem autorização, destacaremos aqui a Lei Brasileira 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, tipifica crimes informáticos e é uma alteração no Código Penal Brasileiro voltada para crimes virtuais e delitos informáticos.

O uso das redes sociais amplia as possibilidades de assédio, proporcionando um espaço onde os agressores podem se esconder atrás do anonimato e da distância física. Várias leis foram sendo criadas, com o passar dos anos, visando maior proteção no ambiente virtual; em 2018 foi criada a Lei LGDP, entrando em vigor em setembro de 2020. Ela tem como objetivo regulamentar o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil, garantindo maior privacidade e segurança para os cidadãos.

A LGPD se baseia em princípios como transparência, finalidade, adequação, necessidade, livre acesso e segurança. Após a implantação, gerou muitos impactos significativos para empresas e organizações que lidam com dados pessoais, que agora precisam se adequar às novas regras e garantir a proteção dos dados de seus clientes e usuários. A lei prevê sanções para quem descumpri-la, incluindo multas que podem chegar a 2% do faturamento da empresa, limitadas a R$ 50 milhões por infração.

Além de garantir maior proteção aos dados pessoais dos cidadãos, a LGPD também traz benefícios para as empresas e organizações que se adequam à lei. Ao adotar boas práticas de proteção de dados, elas podem ganhar a confiança dos clientes e usuários, aumentar a transparência e a eficiência na gestão de dados, além de se destacarem no mercado por oferecerem um serviço mais seguro e responsável.

Hoje o mal uso do ciberespaço e redes sociais, é previsto em leis e combatido, porém ainda há muitos casos de assédio sexual em redes sociais, e suas consequências para as vítimas são enormes, podendo causar danos emocionais e psicológicos. A falta de conscientização sobre os limites do comportamento online, a facilidade de disseminação de conteúdo e a impunidade dos agressores favorecem a perpetuação desse problema. No entanto, a internet também pode dar voz a pessoas que antes não podiam ser ouvidas e tornar a resolução de crimes mais rápida e eficiente.

O caso de Vana Lopes, que denunciou o médico Roger Abdelmassih em 1993 e teve sua história escrita pelos jornalistas Claudio Tognolli e Malu Magalhães no livro “Bem-vindo ao inferno — A história de Vana Lopes, a vítima que caçou o médico estuprador Roger Abdelmassih” e só obteve justiça em 2009, mostra como a internet e as redes sociais ajudaram a dar visibilidade a casos de abuso e assédio. Após o caso de Roger, as mulheres ganharam mais voz e atenção em casos de abuso.

Com o desenvolvimento da internet e das redes sociais, casos envolvendo mulheres vítimas de abuso ganham rapidamente destaque e mobilizam as redes sociais, como foi o caso do médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra, preso em julho de 2022 no Rio de Janeiro depois que funcionários da unidade de saúde o filmaram estuprando uma paciente durante o parto. Neste ano, no dia 29 de janeiro de 2023, Vana morreu e em seus últimos meses de vida, ela continuou a luta pelo projeto de Lei do Estatuto da Vítima (PL 3890/20) que tem o intuito de humanizar, educar e evitar a revitimização de pessoas vulneradas em seus direitos.

O uso das redes sociais para prática de assédio afeta não apenas as vítimas, mas também a sociedade como um todo, perpetuando estereótipos prejudiciais e criando um ambiente virtual hostil e inseguro. A tecnologia e as redes sociais trouxeram benefícios significativos para a sociedade, mas também abriram portas para novas formas de violência.

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