Whitepaper Bytes de Mudanças: pesquisa territorial e inovação social fomentam a emancipação tecnológica da Vila Olímpia e Parque Via Norte

Este whitepaper apresenta a trajetória, os fundamentos e os resultados do Bytes de Mudanças, uma iniciativa de inovação social do Instituto Semear, com parceria técnica da Casa Hacker e investimento social privado da Fundação FEAC.

Desde sua criação, em 2023, o projeto parte de uma premissa simples e potente: não há inclusão digital sem inclusão social, e não há emancipação tecnológica sem leitura atenta do território. Em vez de “levar tecnologia” de fora para dentro, o Bytes de Mudanças foi desenhado para construir soluções com o território, a partir de suas experiências, dores e potências.

Nos anos posteriores à pandemia de Covid-19, a digitalização de serviços, relações de trabalho, educação e comunicação passou a atravessar, de forma ainda mais intensa, a vida cotidiana da população. O que poderia significar ampliação de acesso e oportunidades, na prática, acentuou desigualdades para territórios como Vila Olímpia e Parque Via Norte, em Campinas (SP). Ao mesmo tempo em que aumentavam as exigências de uso da internet, aplicativos, plataformas de governo digital e ferramentas de estudo online, muitas famílias não dispunham de infraestrutura, habilidades ou apoio adequado para lidar com essa transformação. Foi nesse contexto que o Instituto Semear, com sua presença histórica no território, começou a identificar sinais de que a comunidade já sofria diretamente os impactos da transformação digital, especialmente entre crianças, adolescentes, jovens em busca de trabalho, famílias e pessoas idosas. Esses indícios deram origem a uma pergunta central:

Como apoiar o território a se apropriar criticamente das tecnologias digitais, transformando-as em aliadas para estudo, trabalho, renda, participação social e acesso a direitos – e não em mais uma barreira?

Para responder a essa pergunta, em 2024 o Instituto Semear e a Casa Hacker iniciaram um processo inovação social. Em vez de começar pelo “curso” ou pela “aula de informática”, o projeto escolheu começar pela escuta e pela pesquisa territorial.

A partir de uma pesquisa robusta, com questionários, sessões generativas e entrevistas com crianças, adolescentes, adultos e pessoas 60+, foi possível:

  • compreender como as pessoas acessavam e usavam tecnologia no dia a dia;
  • identificar medos, barreiras, interesses e sonhos ligados ao digital;
  • reconhecer habilidades já presentes nas comunidades e lacunas que impediam o uso mais pleno das tecnologias.

Esses dados não ficaram no papel. Eles foram o ponto de partida para a construção de uma tecnologia social de inclusão sociodigital – chamada assim justamente por integrar, de forma inseparável, dimensões sociais (relações, direitos, trabalho, educação, cultura) e digitais (dispositivos, plataformas, segurança, produção de conteúdo).

Ao longo de 2023 e 2024, Instituto Semear, Casa Hacker e Fundação FEAC, em diálogo constante com educadores e com o território, desenvolveram o projeto “de ponta a ponta”, combinando diferentes frentes de trabalho que se alimentam mutuamente:

  • Pesquisa territorial como base de diagnóstico e tomada de decisão;
  • Desenvolvimento de trilhas de aprendizagem específicas para crianças, adolescentes, adultos e pessoas 60+, estruturadas em habilidades digitais, multimídias, estudo pela internet, oportunidades e serviços digitais;
  • Montagem e qualificação da infraestrutura de tecnologia nas unidades;
  • Contratação e seleção de educadores com perfil técnico-pedagógico alinhado ao projeto;
  • Assessoramento técnico e metodológico contínuo às equipes do Instituto Semear, com formações mensais e suporte assíncrono;
  • Criação e aplicação de instrumentos de avaliação, linha de base e indicadores, para acompanhar a evolução das habilidades digitais e a inclusão sociodigital dos participantes;
  • Implementação das formações abertas à comunidade, com monitoramento permanente dos resultados e ajustes finos na prática.

Nesse percurso, o Bytes de Mudanças deixa de ser apenas um projeto para se tornar uma metodologia replicável de inclusão sociodigital baseada em território, capaz de inspirar outras organizações, redes e políticas públicas.

Ao longo da publicação, você encontrará encontrará:

  • a descrição da pesquisa territorial, que fundamenta todo o desenho do projeto;
  • o detalhamento dos indicadores de habilidades digitais e inclusão sociodigital, bem como dos resultados alcançados;
  • a apresentação do desenvolvimento das trilhas de aprendizagem por faixa etária, mostrando como o currículo foi traduzido em experiências concretas de formação;
  • o relato do assessoramento técnico e pedagógico realizado junto às equipes do Instituto Semear;
  • o processo de contratação e seleção de educadores, essencial para garantir coerência entre a proposta e quem está em sala de aula;
  • análises e recomendações para a escala e a sustentabilidade da tecnologia social desenvolvida.

Ao reunir pesquisa, inovação social e prática pedagógica, o Bytes de Mudanças mostra que a emancipação tecnológica não é um slogan, mas um processo que se constrói passo a passo – ouvindo o território, experimentando, avaliando, ajustando rotas e, sobretudo, reconhecendo que cada pessoa, na Vila Olímpia e no Parque Via Norte, tem direito não apenas de acessar tecnologias, mas de usá-las para criar, decidir e transformar sua própria realidade.

Construção de infraestrutura tecnológica

O Instituto Semear desenvolveu uma infraestrutura tecnológica baseada no modelo notebook-first (só notebooks em sala), priorizando a mobilidade e flexibilidade dos recursos digitais. Essa abordagem permite que as atividades pedagógicas superem as limitações de laboratórios fixos, integrando a tecnologia de forma mais fluida aos diferentes espaços de aprendizagem.

A infraestrutura contempla notebooks como dispositivos principais de acesso digital, conectividade à internet de qualidade, pontos de tomada distribuídos, mobiliário com mesas e cadeiras que favorecem tanto o trabalho individual quanto colaborativo, e projetores multimídia para apoiar apresentações e atividades coletivas.

A estrutura foi implementada nas duas unidades do Instituto Semear: Parque Via Norte e Vila Olímpia, assegurando que ambos os espaços ofereçam condições de acesso à tecnologia como ferramenta pedagógica. O investimento em infraestrutura foi fundamental para garantir condições adequadas para implementação das próximas etapas do Bytes de Mudanças.

Pesquisa territorial

A pesquisa territorial é o ponto de partida do processo de inovação. Mais do que levantar dados, ela foi concebida como um processo de escuta qualificada e de produção cidadã de informações sobre acesso, uso e habilidades digitais dos territórios onde o Instituto Semear em Campinas (SP) atua.

Historicamente, territórios periféricos aparecem nas estatísticas muito mais como problema do que como sujeitos de direitos e de potência. A falta de dados produzidos a partir da realidade local reforça estereótipos e alimenta políticas públicas desenhadas “de fora”, com baixa aderência às condições concretas de vida de crianças, adolescentes, jovens e adultos que vivem nesses espaços.

A pesquisa territorial do Bytes de Mudanças foi construída para caminhar na direção oposta, buscando:

  • reconhecer a centralidade do território na formulação de políticas e programas de inclusão sociodigital;
  • produzir dados com, e não apenas sobre, as pessoas, compreendendo-as como sujeitos de conhecimento;
  • subsidiar decisões pedagógicas e de gestão – do desenho das trilhas de aprendizagem à priorização de investimentos em infraestrutura, formação de educadores e articulação comunitária.

Com isso, a pesquisa territorial é também um ato pedagógico: ao registrar práticas, dificuldades, sonhos e interesses em torno das tecnologias digitais, contribui para a emancipação tecnológica de Vila Olímpia e Parque Via Norte, mudando a lente do déficit para a potência.

Educadores do território reunidos em círculo com as Pesquisadoras Layne Gabrielle e Carolina Jansen para compartilhar resultados da pesquisa e realizar o reconhecimento de dados gerados.

A pesquisa territorial é o ponto de partida do processo de inovação. Mais do que levantar dados, ela foi concebida como um processo de escuta qualificada e de produção cidadã de informações sobre acesso, uso e habilidades digitais dos territórios onde o Instituto Semear em Campinas (SP) atua.

Lideranças da Pesquisa

Layne Gabriele

Layne Gabrielle

Pesquisadora, gestora de projetos educativos e culturais e fundadora de iniciativas sociais, com atuação centrada em tecnologias sociais, letramento crítico e racial, inclusão digital e democratização do conhecimento. É licenciada em Letras – Língua Portuguesa pela Unicamp e egressa do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS/Unicamp), com trajetória marcada pela construção de pontes entre universidade, periferias e organizações da sociedade civil. Atua como Junior Research Manager na Casa Hacker, conduzindo pesquisas sobre cidadania digital e habilidades tecnológicas em diferentes territórios, com foco na construção de programas educativos de impacto social. É editora de Arquivo e Extensão no Geledés – Instituto da Mulher Negra, responsável por publicações e ações de difusão no Centro de Documentação e Memória Institucional. Foi fundadora e diretora executiva do Laboratório Ádapo, coordenando planejamento estratégico, gestão de recursos e parcerias de um projeto social voltado a mulheres e periferias. Entre 2017 e 2023 atuou como pesquisadora na Unicamp, em temas como inovação, educação popular e periférica, multiletramentos, economia criativa, tecnologias sociais, diversidade e inclusão. Possui experiência como educadora popular em projetos de extensão universitária, facilitadora de oficinas, palestras e eventos, bem como em produção de materiais educativos, relatórios e cartilhas. Sua trajetória profissional articula gestão de projetos, pesquisa aplicada, formação em linguagem e atuação em arquivos e memória, sempre a partir de uma perspectiva de justiça social e valorização dos saberes das periferias.

Carolina Jansen

Carolina Jansen

Pesquisadora e gestora de projetos com foco em pessoas, dados e impacto social, com experiência nas áreas de economia, comunicação, educação e desenvolvimento social. É mestranda em Desenvolvimento Econômico, com ênfase em economia social e do trabalho, pelo Instituto de Economia da Unicamp e é pesquisadora no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) e no Centro de Colaboração Interinstitucional de Inteligência Artificial Aplicada às Políticas Públicas (CIAP). Colabora como pesquisadora no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) e na OSC Casa Hacker. É formada em Comunicação Social pela PUC-Campinas e Letras pela Unicamp. Foi gestora e pesquisadora da avaliação de impacto do programa Favela 3D, da Gerando Falcões, voltado à transformação de favelas em territórios digitais, dignos e desenvolvidos por meio de diagnóstico aprofundado, co-criação com a comunidade, integração de políticas públicas e avaliação de impacto. Tem se especializado em avaliação e monitoramento de políticas públicas, projetos sociais e desenvolvimento de tecnologias sociais.

Objetivos da pesquisa territorial

A pesquisa foi desenhada com objetivos articulados entre si, orientados a apoiar gestores e educadores na tomada de decisão. Em termos gerais, buscou-se:

  • mapear o perfil sociodemográfico das pessoas atendidas e do território, com foco em diferentes gerações (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos);
  • identificar o acesso às tecnologias (dispositivos, conectividade, serviços) e as condições em que esse acesso se dá (compartilhamento, instabilidade, mediação familiar etc.);
  • caracterizar habilidades digitais já desenvolvidas, aquelas em processo de construção e as que ainda precisam ser fortalecidas;
  • compreender usos cotidianos da internet e dos dispositivos, incluindo comunicação, estudo, trabalho, serviços públicos e lazer;
  • levantar interesses formativos e aspirações de futuro, especialmente relacionadas a cursos, profissões e criação de soluções com tecnologia;
  • produzir insumos para o desenho das trilhas de aprendizagem em educação digital e para a construção de uma linha de base de monitoramento de impacto do projeto.

Esses objetivos orientaram a escolha dos instrumentos e a forma de análise, buscando sempre equilibrar rigor técnico e utilidade prática para quem está na gestão e na ponta, dentro das unidades do Instituto Semear.

Abordagem teórico-metodológica

Princípios norteadores

A pesquisa territorial foi estruturada a partir de três eixos conceituais principais:

  • Inclusão sociodigital como direito e política pública
    • Parte-se do entendimento de que o acesso à internet e às tecnologias digitais, com habilidades para usá-las de forma crítica e criativa, é condição para participação plena na vida econômica, política e cultural.
    • Esse entendimento ganha relevo em Campinas, onde uma parcela significativa da população vive em situação de baixa renda e extrema pobreza, o que torna a inclusão sociodigital um componente central da inclusão social como um todo.
  • Geração cidadã de dados
    • A produção de informações é tratada como ferramenta de empoderamento territórial: os dados devem servir ao território, à revisão de práticas institucionais e à incidência por políticas mais justas.
    • A pesquisa busca romper com a lógica em que comunidades são apenas objeto de medição, reposicionando moradoras e moradores como coautores da narrativa sobre sua própria realidade.
  • Design Thinking e imersão em profundidade
    • A etapa inicial, inspirada no Design Thinking, foi conduzida como uma imersão no contexto de vida das pessoas, procurando compreender não apenas o que elas dizem, mas também como agem, pensam e sentem em relação à tecnologia.
    • Um dos focos foi identificar comportamentos e perfis extremos, o que permite enxergar necessidades latentes e oportunidades de inovação que não aparecem quando se observa apenas o “usuário médio”.

Essa combinação de princípios favorece uma abordagem mista, integrando dados quantitativos (questionários) e qualitativos (sessões generativas e entrevistas), articulados com momentos de devolutiva e validação com educadores.

Técnicas de coleta de dados

A pesquisa territorial integrou três grandes técnicas de investigação, planejadas para se complementarem:

  • Sessões generativas
    • Realizadas em grupo com crianças e adultos nas duas unidades (Vila Olímpia e Parque Via Norte), envolveram dinâmicas que estimulavam memória, imaginação e reflexão sobre tecnologias.
    • Foram explorados usos passados e presentes da internet, sentimentos associados (medo, entusiasmo, frustração, curiosidade) e projeções de futuro.
    • Em Parque Via Norte, por exemplo, crianças construíram painéis visuais sobre “o que é tecnologia” e “quem tem acesso a ela”, registrando emoções em post-its e desenhos.
    • Entre os adultos, em Vila Olímpia, o foco recaiu sobre usos voltados a trabalho, renda, comunicação e acesso a serviços, bem como sobre barreiras de letramento digital e insegurança no ambiente online.
  • Questionários estruturados
    • Foram aplicados questionários em duas faixas etárias, cobrindo crianças e adolescentes de 6 a 11 anos e pessoas de 12 anos a 60+.
    • O instrumento contemplou:
      • perfil sociodemográfico (idade, gênero, raça/cor);
      • acesso a dispositivos e conexão;
      • usos cotidianos do celular e da internet;
      • habilidades digitais já desenvolvidas;
      • dificuldades e medos na navegação;
      • interesses em cursos e trajetórias profissionais;
      • vontade de criar produtos ou soluções com tecnologia.
    • Esse conjunto de informações ajuda a dimensionar tanto as condições materiais de acesso quanto o repertório de uso e as aspirações formativas.
  • Entrevistas em profundidade
    • Realizadas com um conjunto menor de crianças e adultos, as entrevistas buscaram mergulhar nas histórias de vida, nas experiências de uso de tecnologias e nas dimensões afetivas da relação com o digital.
    • As falas dos participantes evidenciam tanto familiaridade com aplicativos, jogos e redes sociais quanto frustrações, medos, experiências de discriminação e barreiras ligadas ao letramento e à renda.

Esse arranjo metodológico permite triangular perspectivas:

  • o que aparece nos números é aprofundado nas narrativas;
  • o que emerge nas sessões generativas é testado e refinado nos questionários;
  • tudo é devolvido aos educadores para interpretação conjunta.
Validação com educadores

Reconhecendo que educadores conhecem profundamente as crianças, as famílias e o território, a pesquisa previu etapas formais de validação com as equipes pedagógicas:

  • Validação do questionário
    • Reuniões com educadores para leitura e debate item a item.
    • Ajustes de linguagem, inclusão e exclusão de perguntas, adequação da ordem e da forma de aplicação, para garantir compreensão pelas diferentes faixas etárias.
  • Validação dos resultados e encaminhamentos
    • Apresentação dos resultados consolidados (sessões generativas, questionários e entrevistas) para educadores das duas unidades.
    • Discussão coletiva sobre a coerência dos achados com a realidade observada no cotidiano.

Esse movimento tornou a pesquisa um processo corresponsável: gestores, educadores e equipe de pesquisa compartilharam decisões sobre o que medir, como interpretar e que caminhos priorizar para a ação socioeducativa.

Caracterização do território e da população participante

A pesquisa se insere no contexto da cidade de Campinas (SP), marcada por fortes desigualdades socioeconômicas. Uma proporção relevante da população encontra-se em situação de baixa renda e extrema pobreza, o que impacta diretamente o acesso e o uso de tecnologias digitais.

Nesse cenário, as comunidades de Vila Olímpia e Parque Via Norte apresentam:

  • alta concentração de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica;
  • presença histórica de estigmas e narrativas que associam periferia à violência e à precariedade;
  • baixa presença de dados qualificados que expressem as múltiplas dimensões de potência desses territórios.

Do ponto de vista da amostra da pesquisa, os respondentes contemplam:

  • Diversidade de gênero
    • predominância de mulheres e homens cis, com presença de pessoas trans, não binárias e outras identidades em menor proporção;
  • Diversidade racial
    • predominância de pessoas pardas, seguidas de brancas e pretas, com presença de pessoas indígenas e amarelas;
  • Amplitude etária
    • participação desde crianças de 6 anos até pessoas idosas (60+), com maior concentração em idades escolares e adultas jovens.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa intergeracional, útil tanto para o planejamento pedagógico nas unidades quanto para estratégias mais amplas de inclusão sociodigital no território.

Acesso às tecnologias e condições de uso

Os dados revelam um cenário de alto nível de conexão, mas com condições precárias de acesso. Em linhas gerais, observam-se:

  • elevada proporção de domicílios com acesso à internet fixa;
  • ampla presença de smartphones entre os moradores;
  • uso do celular como principal (e muitas vezes único) dispositivo de acesso à internet;
  • necessidade de compartilhar dispositivos entre membros da família;
  • ausência ou escassez de computadores em casa;
  • relatos de uso da internet de vizinhos, indicando estratégias informais para suprir a falta de infraestrutura.

Nas sessões generativas, surgem outros elementos importantes:

  • uso intenso de aplicativos como WhatsApp, YouTube e Google, tanto para comunicação quanto para entretenimento e estudo;
  • ausência ou escassez de lan houses e gráficas, o que limita alternativas de acesso e serviços (impressão, digitalização, suporte técnico);
  • uso expressivo de meios de pagamento como o PIX, mostrando abertura a inovações financeiras digitais;
  • percepção da falta de serviços essenciais no bairro que integrem a dimensão digital ao cotidiano, como bibliotecas, telecentros e equipamentos públicos com apoio presencial para serviços digitais.

Para a gestão e a prática pedagógica, esses achados apontam que uma estratégia de inclusão digital não pode se limitar à oferta de conexão, devendo:

  • considerar o celular compartilhado como dispositivo principal de acesso;
  • incorporar soluções educacionais que funcionem em telas pequenas e com baixa banda;
  • promover o uso qualificado de equipamentos disponíveis nas unidades (computadores, rede estável, impressoras);
  • fomentar parcerias locais para ampliar a infraestrutura e a oferta de serviços digitais no território.

Habilidades já desenvolvidas, desafios e interesses formativos

Apesar das restrições de infraestrutura, a pesquisa demonstra que os territórios possuem um conjunto expressivo de competências digitais já adquiridas, especialmente entre adolescentes e adultos. Entre as habilidades frequentemente relatadas estão:

  • conectar-se a uma rede Wi-Fi;
  • baixar ou instalar aplicativos;
  • participar de videochamadas;
  • reencontrar sites já visitados;
  • utilizar redes sociais para comunicação, informação e entretenimento.

Entre as crianças, os dados quantitativos e qualitativos mostram um uso diversificado e criativo da tecnologia:

  • comunicação com familiares por chamadas de vídeo e mensagens;
  • consumo de conteúdos no YouTube (gameplays, tutoriais, desenhos, séries);
  • interesse em produzir vídeos, criar canais e jogar em diferentes plataformas;

Relatos de crianças e adolescentes destacam:

  • aprendizado entre pares (irmãos, primos, colegas de escola);
  • frustração diante de problemas técnicos, mas também orgulho ao dominar novas funções (instalar jogos, editar vídeos, criar perfis em plataformas);
  • percepção de que “saber mexer no celular” é uma forma de reconhecimento entre amigos e familiares.

Entre os adultos, aparecem perfis variados:

  • pessoas que utilizam a internet para vender produtos, divulgar serviços, pagar contas e aprender consertos domésticos;
  • pessoas que se sentem “ficando para trás” com o avanço tecnológico, seja por dificuldades de leitura, seja por experiências negativas com aplicativos, golpes ou bloqueios de conta;
  • famílias em que os filhos são mediadores do uso das tecnologias para os pais ou responsáveis, invertendo papéis tradicionais de mediação.

Ao mesmo tempo, a pesquisa identifica lacunas importantes, como:

  • dificuldades no uso de serviços digitais do governo;
  • pouco domínio de ferramentas como pacote Office (Word, Excel) e editores de texto e planilhas em geral;
  • desafios para reconhecer conteúdos patrocinados, notícias falsas e informações enganosas;
  • insegurança para configurar dispositivos, gerenciar privacidade, lidar com senhas e denunciar conteúdos problemáticos nas redes.

Do ponto de vista dos interesses formativos, os dados são consistentes entre faixas etárias:

  • crianças de 6 a 11 anos citam com frequência:
    • informática e uso de computador;
    • criação de vídeos e canais no YouTube;
    • desenvolvimento de jogos;
    • desejo de “usar melhor a internet” e “digitar mais rápido”;
  • pessoas de 12 a 60+ anos destacam:
    • computação básica, Excel e uso do computador em geral;
    • produção e edição de vídeos, inclusive para redes sociais;
    • programação e linguagens de programação;
    • cursos de informática, inglês e formações ligadas a tecnologia, empreendedorismo, saúde, educação e cuidado.

Quando convidadas a imaginar o que criariam com tecnologia, muitas crianças mencionam jogos, robôs, aplicativos para aprender idiomas, soluções para oferecer internet gratuita e até aplicativos para enfrentamento de violências.

Esses resultados evidenciam que não falta interesse nem disposição para aprender. O desafio central é criar condições pedagógicas e materiais para transformar esse potencial em trilhas concretas de emancipação tecnológica.

A fotografia registra um momento de apresentação no palco de um auditório, onde duas representantes da Casa Hacker compartilham os resultados da pesquisa "Bytes de Mudanças". À esquerda, uma apresentadora segura o microfone e gesticula durante a explanação, vestindo jaqueta jeans clara sobre camiseta estampada e calça bege, com calçado branco estilo crocs. À direita, sua colega acompanha a apresentação com microfone em mãos, vestindo jaqueta preta, camiseta roxa com identificação do evento, calça jeans e tênis de plataforma preto.

O slide projetado exibe o título "Bytes de Mudanças" com o subtítulo "Casa Hacker - Pesquisa de Território em Inclusão Digital", acompanhado de uma imagem ilustrativa de mãos montando peças de quebra-cabeça em tons pastéis (azul, verde, amarelo e bege), simbolizando a construção colaborativa e a conexão entre diferentes atores sociais. O ambiente é um auditório formal com piso de madeira, paredes claras e estrutura adequada para eventos de grande porte.
Layne Gabrielle e Carolina Janssen apresentando a pesquisa no evento “Convivência” da Fundação FEAC em 2024 para compartilhar boas práticas entre organizações da sociedade civil.

O desenho das trilhas de aprendizagem foi liderado pelas professoras da Casa Hacker:

Aliene Villaça, doutora e mestre em Educação pela UFMG, com especialização em Psicopedagogia e Neurociências. Na Casa Hacker desde 2022, atua como Professora Titular em STEAM e coordena o projeto Minas em Tech, que desenvolve habilidades em ciência e tecnologia para meninas do Ensino Médio. Desde 2024, também leciona no projeto Inclusão Tech, desenvolvendo habilidades digitais em crianças, adolescentes e idosos.​ Sua pesquisa de doutorado investigou como a robótica educacional pode auxiliar alunos com dificuldades de aprendizagem, consolidando sua expertise em educação inclusiva. Com experiência de 8 anos na Prefeitura de Betim como professora e assessora pedagógica em Educação Inclusiva, Aliene trabalhou com transtornos de aprendizagem, TDAH e Dislexia. É entusiasta da Aprendizagem Criativa, Cultura Maker e Robótica Educacional, com atuação anterior na UFMG como professora de pós-graduação e graduação.

e, Gabrielli Silva, conhecida como Nyak, é gestora de projetos de impacto socioambiental, cantora e compositora. Na Casa Hacker, atua como Gerente de Projeto do PerifaImpacto desde abril de 2025, além de ter sido professora do Inclusão Tech e gestora de Processos e Treinamentos na Academy, a universidade corporativa da Casa Hacker.​

Princípios orientadores e autoria pedagógica

As trilhas de aprendizagem foram sistematizadas por Gabrielli Silva e Aliene Villaça, a partir das metodologias de inclusão sociodigital desenvolvidas pela Casa Hacker para quatro públicos: crianças (6+), adolescentes (13+), adultos (18+) e pessoas 60+.

O desenho das trilhas parte de alguns princípios comuns:

  • Inclusão sociodigital como vetor de inclusão social, econômica e de acesso a direitos, especialmente relevantes em territórios populares como Vila Olímpia e Parque Via Norte.
  • Centralidade do território e da pesquisa prévia: os conteúdos respondem diretamente às demandas identificadas na Pesquisa de Território em Inclusão Digital, incorporada como referência em todos os materiais metodológicos.
  • Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) como eixo estruturante, transformando cada módulo em um problema ou desafio concreto a ser resolvido coletivamente, com produto final compartilhável.
  • Andragogia para adultos e 60+, valorizando experiência de vida, relevância imediata e autonomia como motores do engajamento.
  • Criatividade e expressão autoral como porta de entrada para crianças e adolescentes, articulando tecnologia, arte, jogos e produção de conteúdo.

A autoria pedagógica de Gabrielli Silva e Aliene Villaça consistiu em traduzir esses princípios em trilhas concretas, alinhadas ao diagnóstico do território, organizadas por tema e por nível de complexidade, e pensadas para serem apropriadas e adaptadas pelos educadores das unidades.

“Arquitetura” das trilhas

Apesar das especificidades de cada faixa etária, as quatro trilhas compartilham uma mesma arquitetura metodológica:

  • organização em módulos temáticos, com progressão de complexidade;
  • cada módulo contendo:
    • uma introdução conceitual;
    • um conjunto de atividades práticas de nível crescente;
    • um “projeto do desafio”, em que os participantes aplicam o que aprenderam na forma de um produto (vídeo, portfólio, blog, jogo, pesquisa, apresentação etc.);
    • uma seção de “dicas para melhor aproveitar a atividade”;
    • indicação de “recursos de estudo e aprofundamento” (tutoriais, plataformas, jogos, cursos online).

As trilhas utilizam ainda uma legenda padronizada para apoiar o planejamento do educador, classificando as atividades como obrigatórias, altamente recomendadas ou opcionais, além de informar tempo estimado, recursos necessários e softwares sugeridos.

Na prática, isso significa que gestores e educadores contam com um roteiro estruturado, mas flexível, capaz de:

  • garantir o desenvolvimento de um núcleo comum de habilidades digitais;
  • permitir adaptações conforme o ritmo de cada turma, as condições de infraestrutura e as demandas emergentes do território.

Trilha para crianças (6+ anos)

A trilha de inclusão sociodigital para crianças foi concebida como uma porta de entrada lúdica e criativa para o mundo digital, sempre mediada pela presença ativa do educador.

Seu objetivo central é que as crianças não apenas consumam tecnologia, mas também a utilizem como espaço de expressão, experimentação e aprendizagem, em diálogo com a pesquisa de território, que mostrou o peso de vídeos, jogos e redes no cotidiano infantil.

A trilha organiza-se em três grandes eixos:

  • Habilidades digitais básicas
    • introdução a sistemas operacionais, organização de arquivos, digitação e uso do mouse, conexões, navegação segura na web, noções de segurança de dados, uso inicial de aplicativos, e-mail e configurações;
  • Multimídias e criação digital
    • introdução a multimídias; uso de ferramentas como Canva e CapCut; bancos de imagens e trilhas sonoras; criação de roteiros; noções de equipamentos básicos e avançados; introdução a animação, stop motion, ferramentas como Animated Drawing, Code.org e programação básica com Scratch;
  • Aprender na internet
    • atividades que introduzem plataformas de aprendizagem como Duolingo, Khan Academy, Escola Virtual Bradesco, Google e Microsoft, enfatizando a internet como espaço para aprender novos conteúdos de forma orientada.

Em cada eixo, as crianças são convidadas a desenvolver projetos concretos – por exemplo, jogos simples, vídeos educativos, pequenos blogs ou podcasts – que culminam em apresentações para colegas, familiares ou comunidade escolar.

Trilha para adolescentes (13+ anos)

Para adolescentes, a trilha foi desenhada como um percurso que articula inclusão digital, criatividade, autoria e conquista de novos espaços de participação, reconhecendo que esse grupo já circula intensamente em redes sociais, jogos online e plataformas de conteúdo.

Os materiais enfatizam que inclusão digital, nessa faixa etária, significa capacidade de usar tecnologia para aprender, criar, se posicionar e projetar caminhos profissionais futuros, e não apenas consumir conteúdos.

A trilha se estrutura em três grandes blocos:

  • Habilidades digitais
    • aprofundamento em organização de arquivos local e na nuvem; conexões; segurança de dados; navegação na web; aplicativos; ferramentas de produtividade; criação de documentos, planilhas e apresentações; uso de e-mail e configurações;
  • Multimídias
    • uso criativo de CapCut, Canva e bancos de imagens; trilha sonora; roteiros; publicação de conteúdos; busca segura; curadoria de referências para criadores digitais;
  • Aprender na internet
    • busca por soluções; uso da IA para os estudos; avaliação de fontes de pesquisa; seleção de plataformas de ensino; reflexão sobre a relação entre internet e estudos; jogos e plataformas educacionais como recursos complementares.

Os projetos propostos vão desde criação de blogs e canais de divulgação de materiais produzidos nas aulas, até produções audiovisuais e jogos educativos, sempre com a preocupação de discutir privacidade, exposição da imagem e ética nas redes.

Trilha para adultos (18+ anos)

A trilha de inclusão sociodigital para adultos foi elaborada com foco em ampliar condições de inserção produtiva, acesso a direitos e participação social, respondendo a demandas concretas identificadas na pesquisa territorial: emprego, renda, estudo, acesso a serviços públicos e uso seguro da internet.

Sua estrutura combina ABP e Andragogia, valorizando o fato de que os adultos trazem experiências de trabalho, família e comunidade e precisam de formação imediatamente aplicável – por exemplo, elaborar um currículo, controlar finanças, vender produtos pela internet ou acessar o Gov.br.

Os eixos principais da trilha para adultos são:

  • Habilidades digitais
    • uso de sistemas operacionais, digitação e mouse, organização de arquivos local e na nuvem, conexões, tipos de arquivo, navegação na web, segurança e privacidade, e-mail, ferramentas de produtividade (documentos, planilhas, apresentações);
  • Multimídias
    • introdução à edição de vídeo e imagem com CapCut e Canva, jogos e artes digitais, publicação de conteúdos em plataformas online;
  • Conhecimentos e estudos com a internet
    • busca na internet, avaliação de fontes, busca por soluções para problemas do cotidiano, uso de plataformas de ensino, planejamento de estudos mediados por tecnologia;
  • Oportunidades
    • elaboração de currículo, uso de redes sociais e sites de vagas, comunicação profissional, fortalecimento de marca pessoal;
  • Plataformas e serviços digitais
    • acesso a serviços digitais em geral, com destaque para serviços do governo;
  • Dados e Inteligência Artificial
    • introdução à ciência de dados e à IA, com projetos de pesquisa no território, coleta e análise de dados e uso de ferramentas acessíveis como assistentes de IA para propor soluções para desafios locais.

Os desafios de projeto incluem, por exemplo, criação de portfólio digital, produção de vídeos de divulgação de serviços, planejamento de recolocação profissional e uso de plataformas para cursos de qualificação, sempre associados às realidades de trabalho formal, informal e empreendedorismo presentes nos territórios.

Trilha para pessoas 60+

A trilha para o público 60+ replica a lógica da trilha de adultos, mas com adaptações importantes de ritmo, linguagem, temas e abordagem afetiva, reconhecendo as especificidades do envelhecimento e a centralidade da experiência acumulada.

Nessa trilha, a inclusão digital é apresentada como ferramenta para:

  • reduzir isolamento social por meio de comunicação em redes e videochamadas;
  • facilitar mobilidade e cuidado (uso de aplicativos de mapa, transporte, serviços de saúde);
  • apoiar autonomia financeira e acesso a direitos, com uso de Gov.br e outros serviços online;
  • estimular memória, curiosidade e aprendizagem contínua com cursos, conteúdos culturais e religiosos, hobbies e novos interesses.

Os eixos temáticos incluem:

  • Habilidades digitais básicas e segurança (incluindo notificações, download e upload);
  • Multimídias e registro de memórias (edição de fotos e vídeos, Google Fotos, compartilhamento em redes e WhatsApp);
  • Conhecimentos e estudos com a internet (busca, plataformas de ensino, uso da internet para estudos e interesses pessoais);
  • Mobilidade e comunicação (videochamadas, e-mail, WhatsApp, aplicativos de geolocalização, Google Mapas, carros de aplicativo);
  • Plataformas e serviços digitais (serviços digitais em geral e serviços do governo);
  • Oportunidades (currículo, redes sociais, possibilidades de trabalho, voluntariado e engajamento comunitário).

Os exemplos de projeto incluem portfólios de vida, vídeos de divulgação de serviços, realização de cursos de interesse e resolução de problemas cotidianos com o apoio de ferramentas digitais, sempre em um ambiente colaborativo e acolhedor.

Papel do educador e flexibilização das trilhas

Em todas as faixas etárias, as trilhas são pensadas para que educadores atuem como facilitadores e coautores, e não transmissores de conteúdo. Os materiais dedicam trechos específicos à Pedagogia baseada em projetos e o educador, destacando que o professor pode e deve:

  • adaptar o cronograma e a ênfase de cada módulo às necessidades da turma;
  • aprofundar determinados temas, reorganizar sequências e propor novos projetos;
  • ajustar materiais, incluir tecnologias assistivas, diversificar recursos (vídeos, músicas, jogos, multimídias);
  • relacionar constantemente o conteúdo com a realidade social e cultural dos participantes;
  • criar oportunidades para que estudantes e participantes atuem como mentores de colegas, liderem atividades ou apresentem seus projetos na culminância das trilhas.

Essa perspectiva reforça a ideia de que as trilhas não são um roteiro engessado, mas uma infraestrutura pedagógica sobre a qual educadores podem construir experiências formativas alinhadas à cultura local, aos recursos disponíveis e às demandas identificadas pela pesquisa territorial.

Articulação com a pesquisa territorial e os indicadores de evolução

Por terem sido desenvolvidas a partir dos resultados da Pesquisa de Território em Inclusão Digital, as trilhas de aprendizagem cumprem um papel de resposta estruturada às evidências produzidas no diagnóstico inicial: aquilo que apareceu como desejo, dificuldade ou potencial nas comunidades é traduzido em conteúdos, projetos e desafios concretos ao longo das trilhas.

Ao mesmo tempo, a forma como as trilhas foram organizadas por Gabrielli Silva e Aliene Villaça dialoga diretamente com o sistema de indicadores de evolução de habilidades digitais, permitindo:

  • monitorar quantas pessoas avançam em profundidade de habilidades;
  • acompanhar quem supera desafios individuais relevantes (estudo, trabalho, renda, acesso a serviços);
  • retroalimentar o planejamento pedagógico com dados, fechando o ciclo pesquisa → trilhas → indicadores → ajuste das trilhas.

Dessa forma, o desenvolvimento das trilhas de aprendizagem não é apenas uma escolha curricular, mas uma ferramenta de inovação social do Bytes de Mudanças: conecta o que o território diz, o que a pedagogia propõe e o que os indicadores mostram, construindo caminhos concretos de emancipação tecnológica para diferentes gerações em Vila Olímpia e Parque Via Norte.

Contratação e seleção de educadores

Enquanto a Pesquisa Territorial em Inclusão Digital era realizada e a infraestrutura tecnológica das unidades de Vila Olímpia e Parque Via Norte estava sendo estruturada (laboratórios, conexão, equipamentos e organização de espaços), o Instituto Semear deu início ao processo de contratação de educadores responsáveis pela implementação das trilhas de aprendizagem.

A opção estratégica foi a contratação de um(a) educador(a) por unidade territorial, com dedicação focada no desenvolvimento das trilhas de inclusão sociodigital em cada território. Isso permitiu:

  • garantir uma referência pedagógica fixa em cada unidade;
  • fortalecer o vínculo entre educador(a), território e participantes;
  • criar condições para que o trabalho com tecnologia fosse contínuo e sistemático;
  • articular com mais facilidade o cotidiano das trilhas com outras ações do Instituto Semear.

Perfil buscado

O processo de seleção foi pensado para identificar educadores de tecnologia que reunissem, ao mesmo tempo:

  • domínio técnico mínimo para trabalhar com ferramentas digitais, produção de conteúdo e navegação segura;
  • experiência (ou potencial) em processos pedagógicos, especialmente com metodologias ativas e aprendizagem baseada em projetos;
  • capacidade de dialogar com diferentes gerações (crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas 60+);
  • sensibilidade social para atuar em territórios populares, com escuta atenta, respeito à diversidade e compromisso com a emancipação dos sujeitos.

Por isso, as entrevistas foram conduzidas de forma a conhecer a história de vida das pessoas candidatas, sua trajetória com tecnologia e sua relação com iniciativas de apoio à inserção de outras pessoas na tecnologia. Um eixo importante de análise foi entender se o(a) candidato(a) já havia “devolvido algo” para a comunidade, por meio de projetos, mentorias, oficinas, voluntariado ou outras ações educativas.

Estrutura da avaliação dos candidatos

A seleção recomendada pela Casa Hacker buscou ir além da verificação de habilidades técnicas, mas também mapear diferentes dimensões do perfil profissional e humano das pessoas candidatas. Entre os principais eixos trabalhados, destacam-se:

  • História pessoal e trajetória em tecnologia
    • compreensão de onde a pessoa vem, como chegou à área de tecnologia, o que tem feito até o momento e quais projetos de comunidade ou iniciativas de inclusão digital já integrou;
    • identificação de experiências em que tenha apoiado a inserção de outras pessoas na tecnologia, evidenciando compromisso com a dimensão social e educativa do trabalho.
  • Postura profissional e modos de atuação
    • capacidade de lidar com situações adversas, em que “as coisas não saem como o esperado”, e de improvisar com responsabilidade e criatividade.
  • Experiência docente em tecnologia
    • existência (ou não) de experiência prévia em cursos de educação em tecnologia;
    • faixas etárias já trabalhadas (crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos) e contextos de atuação (escola, ONG, cursos livres, projetos comunitários etc.).
  • Metodologias de aprendizagem ativa e ensino por projetos
    • familiaridade com metodologias de aprendizagem ativa (como projetos, oficinas práticas, resolução de problemas, dinâmicas em grupo);
    • experiência com ensino baseado em projetos, incluindo exemplos de situações em que tenha desafiado participantes a “aprender fazendo” e como conduziu esse processo.
  • Produção de materiais didáticos e planejamento pedagógico
    • experiências na elaboração de materiais didáticos (para uma aula, um curso, uma sequência de encontros);
    • envolvimento com projetos pedagógicos, planos de aula, planos mensais e relatórios de acompanhamento de turmas e estudantes;
    • capacidade de registrar processos, sistematizar resultados e produzir relatórios claros – aspecto essencial para dialogar com a equipe de gestão e alimentar o monitoramento do projeto.
  • Engajamento, criatividade e abordagem em sala de aula
    • exemplos de estratégias ou iniciativas únicas que a pessoa já tenha desenvolvido para engajar jovens ou outros públicos em tecnologia;
    • habilidades para estimular a criatividade com o uso da tecnologia, propondo atividades que conectem interesses dos participantes (jogos, vídeos, redes sociais) com objetivos formativos.
  • Gestão de turma e atenção à diversidade de ritmos
    • formas de lidar com estudantes desmotivados, incluindo como motivá-los para realizar tarefas e se engajar nas atividades;
    • estratégias para apoiar quem não acompanha o ritmo das aulas, sem expor ou excluir essas pessoas, oferecendo alternativas de acompanhamento, reforço e adaptação.
  • Disponibilidade e organização prática
    • confirmação da disponibilidade para início das atividades, condição importante para articular o cronograma de implementação das trilhas com a agenda das unidades.

Coerência entre o processo seletivo e os objetivos do projeto

Ao estruturar o processo de contratação dessa forma, o Instituto Semear buscou garantir que os educadores selecionados fossem mais do que técnicos em ferramentas digitais:

  • que fossem pessoas capazes de atuar como mediadores culturais, aproximando tecnologia da realidade das famílias de Vila Olímpia e Parque Via Norte;
  • que tivessem condições de trabalhar com metodologias ativas, acolhendo o erro como parte do processo e estimulando o protagonismo dos participantes;
  • que entendessem a tecnologia como meio para estudo, trabalho, renda, acesso a direitos, expressão, lazer e organização coletiva, e não como um fim em si mesmo.

Ao mesmo tempo, o processo de seleção já considerava, desde o início, que esses educadores seriam acompanhados pela assessoria técnica e pedagógica da Casa Hacker, em encontros mensais e suporte assíncrono. Isso permitiu buscar perfis com boa base de atuação e alto potencial de desenvolvimento, apostando que, com apoio contínuo, poderiam se tornar referências locais em inclusão sociodigital.

Assessoramento técnico e pedagógico

Papel da Casa Hacker no apoio ao Instituto Semear

Ao longo da implementação do Bytes de Mudanças pelo Instituto Semear, a apoiamos também na assessoria técnica e pedagógica, garantindo que a pesquisa, as trilhas de aprendizagem e os instrumentos de avaliação não fossem apenas materiais prontos, mas ferramentas incorporadas ao cotidiano das equipes.

Esse assessoramento teve como foco:

  • fortalecer a capacidade dos educadores de aplicar as metodologias de inclusão sociodigital de forma autônoma e contextualizada;
  • apoiar a gestão do Instituto Semear na leitura dos dados gerados pela pesquisa e pelas avaliações;
  • criar um canal permanente de suporte para dúvidas, adaptações e tomada de decisões pedagógicas.

Assim, a Casa Hacker não se colocou como executora externa, mas como parceira técnica, ajudando a construir condições para que o Instituto Semear se tornasse, cada vez mais, protagonista na condução das ações de emancipação tecnológica em Vila Olímpia e Parque Via Norte.

Formação inicial e continuada de educadores

O assessoramento começou com um conjunto de momentos formativos estruturados, voltados a educadores e equipe técnica das unidades:

  • apresentação da proposta do projeto e dos fundamentos de inclusão sociodigital;
  • estudo guiado da Pesquisa Territorial e dos principais achados sobre acesso, usos, desafios e interesses em tecnologia;
  • introdução às trilhas de aprendizagem por faixa etária, destacando objetivos, eixos temáticos, propostas de atividades e papel dos projetos finais;
  • discussão sobre a postura do educador em metodologias ativas e em aprendizagem baseada em projetos.

Ao invés de apresentar todo o material de uma vez, a Casa Hacker optou por introduzir as trilhas de forma gradual, em sintonia com o ritmo das turmas e com o calendário das unidades. Esse movimento permitiu que os educadores fossem se apropriando dos conteúdos à medida que os colocavam em prática, revisitando conceitos em ciclos formativos mensais.

A formação continuada assumiu um caráter processual: a cada mês, eram retomadas experiências vividas em sala, dúvidas surgidas na prática, dificuldades de aplicação e conquistas das turmas. A partir daí, o grupo avançava na leitura de novos módulos, na troca de estratégias e na adaptação das propostas às realidades específicas de cada turma e território.

Acompanhamento da implementação das trilhas

Para além da formação, a Casa Hacker fez um acompanhamento sistemático da implementação das trilhas de aprendizagem nas unidades do Instituto Semear. Esse acompanhamento incluía:

  • leitura conjunta de trechos das trilhas e planejamento de como cada atividade poderia ser conduzida com as turmas concretas (crianças, adolescentes, adultos e 60+);
  • apoio na seleção de atividades obrigatórias, altamente recomendadas e opcionais, de acordo com o tempo disponível, o nível das turmas e as condições de infraestrutura;

Apoio técnico na aplicação das avaliações e uso dos indicadores

Outro eixo central do assessoramento foi o apoio técnico na aplicação dos instrumentos de avaliação (linha de base, pesquisas de evolução e demais instrumentos vinculados aos indicadores).

A Casa Hacker:

  • explicou a lógica e os objetivos da Pesquisa de Evolução: Habilidades Digitais e dos outros instrumentos, contextualizando por que cada pergunta era importante;
  • orientou o passo a passo para aplicação dos formulários com diferentes públicos, incluindo tempo estimado, linguagem, cuidados para não induzir respostas e estratégias para apoiar participantes com maior dificuldade de leitura;
  • esclareceu dúvidas recorrentes sobre os termos usados nos instrumentos (por exemplo, tipos de habilidade, segurança digital, autonomia digital);

Após a coleta, a Casa Hacker deu suporte à leitura e interpretação dos resultados, ajudando gestores e educadores a:

  • compreender o que os indicadores revelavam sobre a realidade das turmas;
  • identificar habilidades mais consolidadas e lacunas mais presentes;

Rotina de encontros mensais e suporte assíncrono

O assessoramento técnico-pedagógico combinou dois formatos complementares:

  • encontros mensais com educadores e gestão, em que eram trabalhados temas específicos (trilhas, pesquisa, indicadores, relatos de experiência, planejamento de próximos passos);
  • um canal permanente de suporte assíncrono por WhatsApp, no qual a Casa Hacker se colocava à disposição para tirar dúvidas, enviar materiais, comentar planos de aula, apoiar ajustes de cronograma ou discutir situações específicas que surgiam no cotidiano das unidades.

Essa combinação permitiu que o acompanhamento fosse ao mesmo tempo estruturado e responsivo: os encontros mensais garantiam um eixo formativo comum, enquanto o suporte sob demanda acolhia questões que emergiam no dia a dia – dúvidas sobre uma atividade, dificuldades técnicas, interpretação de um indicador, necessidades de adaptação para determinado grupo, entre outras.

Avaliação de Resultados e Indicadores

A avaliação da iniciativa está estruturada em torno de um conjunto de indicadores quantitativos e qualitativos que permitem acompanhar, ao longo do tempo, a evolução das habilidades digitais dos participantes e o grau de inclusão sociodigital alcançado.

Esses indicadores conversam diretamente com:

  • os resultados da pesquisa territorial, que identificou desafios concretos de acesso e uso de tecnologias nas comunidades;
  • o desenho das trilhas de aprendizagem em inclusão sociodigital;
  • a necessidade de gestores e educadores contarem com evidências para tomar decisões pedagógicas, ajustar estratégias e dialogar com financiadores e políticas públicas.

A mensuração é realizada por meio da Pesquisa de Evolução: Habilidades Digitais, aplicada em formulário digital ou impresso aos participantes das trilhas, em ciclos regulares, com linguagem acessível e foco em percepção autodeclarada de habilidades, desafios e autonomia digital.

Marco teórico e referências de mensuração

O sistema de indicadores do projeto não foi criado do zero; ele se ancora em referenciais já consolidados de medição do acesso e do uso de TICs em âmbito nacional e internacional. A “Pesquisa de Evolução: Habilidades Digitais” adapta e articula conceitos e itens inspirados em:

  • Parceria para a Medição das TIC para o Desenvolvimento (Partnership on Measuring ICT for Development), coordenada pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), especialmente o Manual for Measuring ICT Access and Use by Households and Individuals;
  • redes de pesquisa sobre crianças e internet, como EU Kids Online, Global Kids Online, TIC Kids Online Brasil;
  • indicadores da pesquisa TIC Domicílios, referência nacional sobre acesso e uso de internet;
  • materiais e recursos do Microsoft Digital Literacy.

A partir desses referenciais, os instrumentos foram redesenhados para:

  • dialogar com a realidade de territórios periféricos;
  • cobrir tanto habilidades técnicas quanto segurança digital e autonomia;
  • permitir comparabilidade entre faixas etárias (crianças, adolescentes, adultos e idosos);
  • gerar indicadores que sejam, ao mesmo tempo, rigorosos e operacionais para a gestão cotidiana do projeto.

Desenho geral do sistema de indicadores

O sistema de monitoramento articula três eixos principais de mensuração:

  • um indicador quantitativo, focado na superação de desafios individuais ao longo das trilhas de aprendizagem;
  • um indicador qualitativo, voltado à condição de inclusão sociodigital e autonomia digital das pessoas participantes;
  • uma escala de profundidade de habilidades digitais, baseada em um conjunto de 40 habilidades básicas, de segurança e de autonomia, com classificação em níveis de desenvolvimento.

Esses três eixos convergem para responder, em linguagem gerencial:

  • “quantos participantes superam desafios concretos relacionados ao uso da tecnologia em seu dia a dia?”;
  • “em que medida o projeto está, de fato, incluindo as pessoas sociodigitalmente e ampliando sua autonomia?”;
  • “qual a profundidade do repertório de habilidades digitais desenvolvidas pelos beneficiários ao longo do tempo?”.

Indicadores quantitativos: superação de desafios individuais

Conceito de “superação de desafios individuais”

No contexto das trilhas de aprendizagem, superação de desafios individuais é definida como o desenvolvimento de habilidades e competências digitais que permitem aos participantes usar o computador e o smartphone como ferramentas para realizar atividades alinhadas às suas necessidades reais – estudar, buscar trabalho, produzir conteúdo, acessar serviços, gerar renda, entre outras.

A partir da pesquisa territorial e das primeiras escutas com as turmas, foram identificados, para cada faixa etária, cinco desafios centrais de habilidades digitais, considerados prioritários para mensuração:

  • Crianças e adolescentes
    • editar vídeos;
    • publicar vídeos na internet;
    • criar e jogar jogos (com foco em jogos educativos e de base criativa, como os desenvolvidos no ambiente Scratch);
    • desenhar e criar artes digitais;
    • estudar e aprender coisas novas usando a internet.
  • Adultos
    • elaborar um currículo;
    • encontrar emprego em sites de vagas;
    • vender serviços ou produtos na internet;
    • acessar serviços do Governo Federal pelo Gov.br;
    • estudar e aprender coisas novas usando a internet.

Considera-se que um participante superou desafios individuais quando, ao longo de sua participação na trilha, passa a dominar pelo menos três desses cinco desafios adequados à sua faixa etária.

O indicador quantitativo central é definido como:

Percentual de beneficiários com superação de desafios individuais a partir da conclusão das trilhas de aprendizagem.

Em termos operacionais, a lógica é:

  • cada participante responde, em questionário autodeclaratório, se sabe ou não realizar cada um dos cinco desafios definidos para sua faixa etária, marcando “Sim”, “Não” ou “Não sei”;
  • essas perguntas são respondidas em dois ou mais momentos:
    • no marco zero (antes do início da trilha);
    • em momentos de evolução, a cada seis meses, até o fim do curso de habilidades sociodigitais;
  • considera-se que houve superação quando o participante declara que não sabia (ou “não sei”) realizar determinado desafio no marco zero e passa a declarar que sabe realizá-lo em aplicações posteriores;
  • participantes que superam no mínimo três, entre os cinco desafios, são classificados como tendo superado desafios individuais na trilha de aprendizagem.

A partir dessa classificação, o indicador é calculado como a proporção de participantes que superaram desafios individuais em relação ao total de participantes que concluíram a trilha de aprendizagem em cada ciclo de medição.

Uso gerencial do indicador

Para gestores e educadores, esse indicador permite:

  • verificar se os conteúdos e metodologias das trilhas estão respondendo a desafios concretos da vida cotidiana dos participantes;
  • identificar diferenças de resultados entre unidades (Vila Olímpia e Parque Via Norte), faixas etárias, turmas, turnos ou perfis específicos (por exemplo, mulheres, jovens, idosos), orientando ajustes focados;
  • monitorar a efetividade de ações complementares (oficinas adicionais, atendimento individual, reforço em determinados módulos) sobre os desafios mais críticos;
  • subsidiar a prestação de contas para financiadores e parceiros, demonstrando, em termos percentuais, quantas pessoas saem do curso com capacidade ampliada de ação digital em áreas-chave como trabalho, estudo e participação em serviços públicos.

Indicadores qualitativos: inclusão sociodigital e autonomia digital

Definições operacionais

A dimensão qualitativa do monitoramento é sintetizada no indicador:

Indivíduos incluídos sociodigitalmente, com conhecimentos ampliados e autonomia digital.

Esse indicador se baseia em dois conceitos estruturantes:

  • Inclusão sociodigital
    • Processo em que todas as pessoas têm acesso às tecnologias digitais e desenvolvem habilidades para usá-las de forma eficaz e segura, promovendo seu desenvolvimento social, econômico e pessoal.
    • Envolve não apenas “estar conectado”, mas poder usar a tecnologia para reduzir desigualdades, participar da vida pública, acessar direitos e realizar projetos de vida.
  • Autonomia digital
    • Capacidade de usar tecnologias digitais de maneira independente, resolver problemas técnicos básicos, adaptar-se a novas ferramentas e aproveitar oportunidades do ambiente digital.
    • Está relacionada à autoconfiança, à ampliação do repertório de ferramentas e à iniciativa em buscar novos conhecimentos e soluções online.
Dimensões qualitativas mensuradas

Para operacionalizar esses conceitos, são mensurados elementos como:

  • habilidades de acesso e prática da cultura digital;
  • conhecimento sobre configuração e manuseio básico de aparelhos e programas digitais;
  • autonomia para acessar conteúdos relevantes e aproveitar oportunidades;
  • interação com o mundo digital de forma segura e eficiente;
  • desenvolvimento de soluções digitais simples (por exemplo, criação de conteúdos, utilização de ferramentas para resolver problemas do cotidiano);
  • socialização e multiplicação de conhecimentos, como ensinar amigos e familiares a usar aplicativos e recursos.

Essas dimensões aparecem distribuídas nas seções da Pesquisa de Evolução: Habilidades Digitais:

  • Habilidades Digitais Básicas – por exemplo, baixar aplicativos, conectar-se ao Wi-Fi, enviar e-mails, criar documentos, planilhas e apresentações, postar conteúdos próprios, reconhecer conteúdos com ou sem anúncios;
  • Habilidades de Segurança Digital – por exemplo, ajustar configurações de privacidade, reconhecer bullying e conteúdos ofensivos, verificar se um site é confiável ou criptografado, criar senhas seguras, configurar autenticação multifator, denunciar conteúdos de violência e cyberbullying;
  • Autonomia Digital – por exemplo, encontrar informações online quando precisa, usar ferramentas digitais sem depender de outras pessoas, resolver problemas com essas ferramentas, manifestar interesse em aprender novas habilidades, ensinar amigos e familiares a usar aplicativos e funções básicas.

Além disso, o questionário inclui afirmações em escala de frequência (frequentemente, às vezes, raramente, não sei), que captam percepções como:

  • sensação de ter o conhecimento necessário para configurar e manusear aparelhos digitais;
  • facilidade para navegar na internet e usar ferramentas básicas;
  • capacidade de acessar conteúdos relevantes de forma eficiente;
  • interação autônoma com o mundo digital para compras, pesquisa, informação, uso de programas e redes sociais;
  • compreensão dos riscos envolvidos no uso de tecnologias, especialmente no compartilhamento de dados pessoais;
  • capacidade de identificar se informações são verdadeiras ou falsas;
  • uso criativo de dados e informações para desenvolver soluções a partir de ferramentas digitais.

Essas respostas são analisadas em conjunto, compondo um quadro qualitativo da trajetória dos participantes em direção à inclusão sociodigital com autonomia.

Escala de profundidade de habilidades digitais

Conjunto de 40 habilidades digitais

O questionário da “Pesquisa de Evolução: Habilidades Digitais” avalia um conjunto de 40 habilidades digitais, que abrangem:

  • operações básicas: instalar aplicativos, conectar-se ao Wi-Fi, salvar imagens, enviar e ler e-mails, participar de videoconferências, navegar e pesquisar na internet, reencontrar sites;
  • produção e gestão de conteúdo: criar e formatar documentos, elaborar planilhas, criar apresentações, postar conteúdos de autoria própria, editar fotos e vídeos;
  • interação com serviços e aplicações: acessar serviços digitais de governo, consultar gastos em aplicativos, gerenciar arquivos na nuvem;
  • segurança e privacidade: ajustar configurações de segurança e privacidade, reconhecer conteúdos patrocinados, checar se um site é confiável ou criptografado, criar e gerenciar senhas, proteger dados do celular, denunciar conteúdos ofensivos ou de violência, reconhecer e enfrentar situações de bullying;
  • autonomia e aprendizagem continuada: encontrar informações online, usar ferramentas digitais de forma independente, resolver problemas técnicos, demonstrar interesse por novas habilidades e ensinar outras pessoas.

A partir desse repertório, cada habilidade é codificada como presente ou ausente para cada participante, considerando as respostas “Sim”, “Não” e “Não sei” do questionário.

Matriz de avaliação por profundidade

Para fins de análise agregada, os participantes são classificados segundo uma escala de profundidade, de acordo com a quantidade de habilidades digitais que declaram saber executar:

  • Nível “ruim” – nenhuma habilidade (0) desenvolvida;
  • Nível “regular” – entre 1 e 10 habilidades;
  • Nível “bom” – entre 11 e 20 habilidades;
  • Nível “ótimo” – entre 21 e 30 habilidades;
  • Nível “excelente” – entre 31 e 40 habilidades.

Essa classificação permite:

  • acompanhar a evolução de cada participante e de cada turma ao longo dos ciclos de medição;
  • comparar resultados entre unidades, faixas etárias e diferentes períodos do projeto;
  • identificar, de forma clara para equipes gestoras, em que faixa de profundidade de habilidades digitais se concentra a maior parte do público atendido.

Resultados consolidados 2024–2025

A partir da aplicação dos instrumentos de monitoramento entre 2024 e 2025, considerando todos os públicos atendidos nas trilhas de habilidades sociodigitais (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos), o projeto contabilizou 307 beneficiários respondentes à pesquisa de evolução.

Na matriz de profundidade de habilidades digitais, a distribuição dos participantes foi a seguinte:

  • Nível ruim: 3 pessoas (1%)
  • Nível regular: 41 pessoas (13%)
  • Nível bom: 135 pessoas (44%)
  • Nível ótimo: 71 pessoas (23%)
  • Nível excelente: 57 pessoas (19%)

Em termos agregados, isso significa que:

  • 86% das pessoas avaliadas (bom + ótimo + excelente) após participar das trilhas de aprendizagem se encontram em patamares de bom ou alto repertório de habilidades digitais, com capacidade de realizar um conjunto relevante de operações, produzir conteúdos e interagir com serviços e plataformas;
  • apenas 14% permanecem nos níveis ruim ou regular, indicando um grupo menor que ainda demanda apoio mais intensivo, reforço de conteúdos básicos e acompanhamento próximo.

Esses dados sugerem que as trilhas de aprendizagem não estão apenas “iniciando” o contato com o digital, mas contribuindo para que uma parcela expressiva do público avance para um uso mais robusto e diversificado das tecnologias, ainda que com desafios importantes a enfrentar nas camadas mais vulneráveis.

Interpretação da profundidade de habilidades

A presença de 57 pessoas (19%) no nível excelente e de 71 pessoas (23%) no nível ótimo indica que, ao final do ciclo, mais de quatro em cada dez participantes já acumulam um repertório amplo de habilidades: manuseio de dispositivos, uso de ferramentas de produtividade, navegação, produção de conteúdo, segurança e autonomia digital.

Esse grupo se torna particularmente estratégico para:

  • atuar como multiplicador de conhecimentos em suas famílias, escolas, redes de convivência e trabalho;
  • protagonizar projetos autorais (produção de vídeos, jogos, canais, pequenos aplicativos, uso avançado de ferramentas para estudo e trabalho);
  • inspirar outros participantes, especialmente aqueles nos níveis regular ou em transição para o nível bom.

Ao mesmo tempo, a presença de 3 pessoas (1%) em nível ruim e 41 pessoas (13%) em nível regular chama atenção para a importância de:

  • manter dispositivos de acompanhamento individual ou em pequenos grupos, sobretudo para quem apresenta dificuldades persistentes;
  • adaptar ritmos, metodologias e linguagens, de modo a garantir que os conteúdos básicos sejam compreendidos e praticados;
  • articular a trilha de habilidades digitais com outras dimensões de vulnerabilidade (letramento, renda, questões emocionais, cuidado com crianças e idosos etc.), que podem interferir no ritmo de aprendizagem.

Esses dados reforçam a pertinência de uma abordagem pedagógica flexível e responsiva, em que o planejamento didático se ancora em evidências e não em suposições sobre o que os participantes “deveriam saber”.

Beneficiários com superação de desafios individuais

No indicador quantitativo específico definido pelo projeto – beneficiários com superação de desafios individuais a partir da conclusão das trilhas de aprendizagem – o resultado consolidado de 2024 a 2025 foi de 122 pessoas, o que corresponde a 39,74% do total de 307 beneficiários.

Em termos operacionais, como definido na metodologia do projeto, são considerados beneficiários com superação de desafios individuais aqueles que:

  • partem de uma condição em que não sabiam realizar determinados desafios priorizados (como editar vídeos, publicar conteúdos, elaborar currículo, buscar emprego em plataformas digitais, vender produtos/serviços, acessar Gov.br, estudar pela internet);
  • passam, ao longo da trilha, a declarar que sabem realizar pelo menos três entre cinco desafios-chave, de acordo com a faixa etária.

Esse resultado pode ser lido em duas camadas complementares:

  • por um lado, ele mostra que quase 40% dos participantes experimentaram uma mudança concreta na sua relação com a tecnologia, superando barreiras específicas e relevantes para estudo, trabalho, geração de renda ou expressão criativa;
  • por outro, indica que cerca de 60% ainda não atingiram o marco mínimo de três desafios superados, o que não significa ausência de avanço, mas evidencia que os processos formativos precisam continuar sendo oferecidos de forma sistemática, com reforços, módulos complementares e oportunidades de prática.

Para gestores e educadores, esse indicador funciona como um termômetro direto de impacto aplicado ao cotidiano: não se trata apenas de saber se a pessoa “gosta mais de tecnologia” ou se “se sente mais confiante”, mas se consegue transformar essa relação em ações objetivas – produzir materiais, se candidatar a vagas, ofertar serviços, estudar de forma mais autônoma, resolver tarefas do dia a dia.

Leitura integrada dos resultados

A combinação entre a profundidade de habilidades digitais e a superação de desafios individuais permite uma leitura mais fina do impacto:

  • o fato de 86% estarem em níveis bom, ótimo ou excelente sugere que o conjunto das trilhas é capaz de elevar o patamar médio de letramento digital dos participantes, ampliando acesso a ferramentas, serviços e linguagens;
  • o dado de que cerca de 40% superaram desafios específicos indica que, dentro desse grupo mais amplo, uma parte importante conseguiu converter o aumento de habilidades em mudanças práticas na vida cotidiana – seja na escola, no trabalho, na geração de renda, na comunicação ou na relação com serviços públicos;
  • a coexistência de altos índices de habilidades em alguns grupos com a presença de um núcleo de participantes em níveis ruim e regular reforça a necessidade de estratégias diferenciadas, que combinem:
    • aprofundamento e criação de trilhas avançadas para quem já está em ótimo e excelente;
    • apoio intensivo e personalização para quem permanece com muitas lacunas;
    • fortalecimento da lógica de aprendizagem entre pares, aproveitando o potencial dos participantes com maior autonomia digital para apoiar os demais.

Os resultados de 2024–2025 provam que o projeto não só amplia o repertório de habilidades digitais do território, como também contribui para que um contingente significativo de participantes use essas habilidades para enfrentar desafios concretos e avançar na sua inclusão sociodigital.

Aprendizados até aqui

  • Não existe boa solução sem boa escuta: a pesquisa territorial mostrou que começar por dados, histórias e percepções locais muda completamente a qualidade das decisões pedagógicas e de gestão.
  • Tecnologia não chega em “ponto zero”: mesmo em contextos de vulnerabilidade, crianças, adolescentes e adultos já usam intensamente celular, redes sociais e vídeos – o desafio não é “introduzir tecnologia”, mas qualificar e ampliar esse uso.
  • Os impactos da transformação digital pós-pandemia são concretos: quem não domina o básico digital sente isso na pele ao tentar acessar serviços, estudar, buscar trabalho ou se comunicar.
  • Territórios populares produzem conhecimento: ao envolver moradores como participantes ativos da pesquisa, o projeto mostrou que o território não é só “objeto” de estudo; ele também oferece diagnósticos, hipóteses e soluções.
  • Uma trilha bem feita nasce do território, não de um livro pronto: as trilhas só fizeram sentido porque traduziram diretamente as necessidades e interesses mapeados na pesquisa.
  • Diferentes idades, diferentes portas de entrada:
    • crianças entram com brincadeira, curiosidade e criação;
    • adolescentes entram com identidade, redes sociais e projeto de futuro;
    • adultos entram com trabalho, renda e serviços;
    • 60+ entram com comunicação, autonomia, cuidado e memória.
  • Inclusão sociodigital é mais do que “curso de informática”: envolve habilidades básicas, multimídias, estudo pela internet, oportunidades de trabalho/renda e uso de serviços digitais, inclusive de governo.
  • Aprendizagem baseada em projetos funciona como fio condutor: quando o conteúdo vira projeto concreto (vídeo, jogo, portfólio, pesquisa, solução para um problema do bairro), o engajamento aumenta e o aprendizado se fixa melhor.
  • Currículos precisam ser estruturados e, ao mesmo tempo, flexíveis: a combinação de atividades obrigatórias, recomendadas e opcionais deu base comum, mas permitiu adaptação às realidades de cada turma.
  • Educadores são peça-chave da emancipação tecnológica: sem gente preparada, sensível e acompanhada, qualquer trilha vira um PDF parado.
  • Contratar só pela técnica não basta: o processo seletivo mostrou que história de vida, postura diante de desafios, compromisso social e experiência com metodologias ativas são tão importantes quanto saber usar ferramentas.
  • Metodologias ativas exigem postura, não só repertório de atividades: ensinar por projetos, acolher o erro, lidar com diferentes ritmos e motivar quem está desengajado pede postura pedagógica consistente, não “receita pronta”.
  • Assessoramento contínuo é tão importante quanto a formação inicial: encontros mensais e suporte assíncrono mostraram que educadores precisam de um lugar seguro para tirar dúvidas, compartilhar dificuldades e ajustar a rota.
  • Quando o educador entende a pesquisa, ele passa a usar dados no dia a dia: apresentar a pesquisa territorial e os indicadores de forma acessível fez com que eles deixassem de ser “documentos de gabinete” e virassem insumos para planejamento de aula.
  • Medir é parte da intervenção, não um apêndice burocrático: os indicadores de profundidade de habilidades e superação de desafios ajudaram a reorganizar práticas, não apenas a prestar contas.
  • Linha de base e resultado final contam histórias diferentes: olhar só para um momento esconde o processo; acompanhar a evolução mostra, de fato, o quanto as trilhas mudam a relação das pessoas com a tecnologia.
  • Superar desafios concretos é um ótimo marcador de impacto: editar vídeos, acessar Gov.br, buscar emprego, vender serviços online ou estudar pela internet são desafios que fazem diferença real na vida das pessoas.
  • Nem todo avanço aparece em um único indicador: muitas pessoas evoluem em habilidades, mas ainda não cruzam o limiar de “três desafios superados”; isso não significa fracasso, mas a necessidade de continuidade e aprofundamento.
  • Indicadores simples, bem comunicados, aproximam gestão, educadores e comunidade: quando todo mundo entende o que está sendo medido, os números começam a ser usados como ferramenta de decisão – e não como algo distante.
  • Articular pesquisa, metodologia, formação, infraestrutura e avaliação gera tecnologia social: o projeto mostrou que não basta ter só um desses elementos; o impacto aparece quando eles estão conectados.
  • Parceria técnica qualificada faz diferença: a combinação Instituto Semear (território e vínculo) + Casa Hacker (metodologia e apoio técnico) + Fundação FEAC (investimento social) permitiu ir além de ações pontuais.
  • Inovação social não é criar algo “inédito no mundo”, mas algo adequado ao contexto: o Bytes de Mudanças se destaca justamente por ser profundamente aderente à realidade de Vila Olímpia e Parque Via Norte.
  • Emancipação tecnológica é um processo e não um produto: não se resume à entrega de um curso, mas à construção contínua de capacidades, infraestrutura, equipe e cultura institucional baseada em evidências.
  • Território não é cenário, é protagonista: quando o território entra como fonte de dados, espaço de experimentação e lugar de devolutiva, o projeto deixa de ser “sobre” o território e passa a ser com o território.

Sobre as organizações envolvidas

Instituto Semear

O Instituto Semear é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, fundada em 11 de abril de 2002, a partir da atuação de um grupo de voluntários da Igreja Batista El Shaddai, que já realizavam trabalho social em comunidades de Campinas (SP). Ao longo de mais de duas décadas, consolidou-se como referência local no atendimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, por meio de programas socioeducativos, de convivência e fortalecimento de vínculos, envolvendo também suas famílias e a comunidade do entorno. Com unidades em Vila Olímpia e Parque Via Norte, o Instituto Semear desenvolve atividades diárias com centenas de participantes, combinando ações de proteção social básica, desenvolvimento de capacidades, expressão cultural, protagonismo juvenil e apoio às famílias. Em 2019, recebeu o Selo de Boas Práticas de Transparência e Gestão da Phomenta, reforçando seu compromisso com a boa governança, a transparência e a sustentabilidade institucional. No projeto Bytes de Mudanças, o Instituto Semear é o protagonista territorial: abre suas unidades, mobiliza as famílias, contrata e acompanha educadores, integra as trilhas de aprendizagem ao seu projeto socioeducativo e faz a ponte cotidiana entre a tecnologia e a vida concreta das crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas idosas atendidas em Vila Olímpia e Parque Via Norte.

Fundação FEAC

A Fundação FEAC é uma organização independente de investimento social privado que atua em Campinas (SP) há mais de seis décadas, com o objetivo de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, sustentável e com igualdade de oportunidades. Sua missão é a promoção humana, a assistência e o bem-estar social, por meio de ações de educação, assistência social e fortalecimento de organizações da sociedade civil. A FEAC investe em programas que combinam desenvolvimento territorial, apoio à gestão de OSCs, defesa de direitos, educação e saúde, atuando especialmente nas regiões e populações mais vulnerabilizadas de Campinas. O foco em desenvolvimento territorial e fortalecimento institucional faz com que a Fundação atue não só como financiadora, mas também como parceira estratégica de organizações territoriais. No âmbito do Bytes de Mudanças, a Fundação FEAC cumpre o papel de investidora social e articuladora, viabilizando recursos financeiros e apoiando a construção de uma tecnologia social de inclusão sociodigital que dialoga com sua agenda de desenvolvimento territorial e de fortalecimento de OSCs em Campinas. Seu investimento possibilita que Instituto Semear e Casa Hacker desenvolvam, testem, avaliem e sistematizem uma metodologia replicável de emancipação tecnológica a partir das realidades de Vila Olímpia e Parque Via Norte.

Casa Hacker

A Casa Hacker é uma organização sem fins lucrativos com atuação em Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, de base comunitária e raízes periféricas, dedicado a colocar territórios no controle de suas experiências digitais e a moldar o futuro da tecnologia da informação e comunicação para o bem público. Atua com inclusão digital, educação em ciência e tecnologia (STEAM) e inovação social. No projeto Bytes de Mudanças, a Casa Hacker é a parceira técnica responsável por:

  • desenhar e conduzir a pesquisa territorial em inclusão digital;
  • co-criar, junto com o Instituto Semear, as trilhas de aprendizagem para diferentes faixas etárias;
  • apoiar a estruturação da infraestrutura tecnológica nas unidades;
  • realizar assessoramento técnico e pedagógico contínuo às equipes;
  • desenvolver e aplicar instrumentos de avaliação e indicadores de habilidades digitais e inclusão sociodigital;
  • sistematizar a experiência como tecnologia social potencialmente replicável em outros territórios.

Relacionamento com a Imprensa:
Vira Comunicação
Luiz Felipe Leite
E-mail: luizfelipe.leite@viracomunicacao.com.br

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